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Sol forte, pandemia e falta d’água: manutenção afeta abastecimento no Rio e na Baixada Fluminense


Por Jaqueline Suarez/NPC*

Foto: Pedro França/Agência Senado

Uma torneira improvisada no meio da rua tem sido a salvação para os moradores do Complexo do Lins, zona norte do Rio. Sem água em casa há mais de três semanas, quem vive na parte alta do morro precisa descer até a base da favela para encher os baldes. A fila na bica começa logo cedo e se estende pela madrugada. “Quem vai chegando do trabalho, vai ficando na fila e é daí que a gente pega água para fazer tudo”, conta Lúcia Melo, de 32 anos. Ela vive com o marido e um casal de filhos, de 6 e 15 anos.


Lúcia e boa parte de seus vizinhos não possuem caixa d’água, o que impede o armazenamento. As torneiras da casa são abastecidas com a água que chega diretamente da rua, que parou de correr no dia 20 de novembro. Desde então, a família tem comprado água parar beber. A higiene pessoal e da casa é feita com a água que buscam na base do morro em uma bica improvisada pelos moradores. “É uma luta diária”, avalia Lúcia, “a gente chega cansada do trabalho e tem que descer para pegar água. Meu filho ficou quase dez dias na casa da tia, porque eu não tinha condição de cuidar dele por conta dessa situação”.


As torneiras secaram em um período do ano em que as temperaturas no Rio de Janeiro chegam, com frequência, aos 40º C. Além do forte calor, o Estado tem enfrentado um aumento nos casos de Covid-19 e registra uma das piores taxas de mortalidade do país. Para conter o avanço da doença, os cuidados com a higiene pessoal e a lavagem das roupas são essenciais. No entanto, em vários bairros do Rio e da Baixada Fluminense, falta água até para lavar as mãos.


O problema acontece, segundo a Companhia Estadual de Água e Esgoto (CEDAE), por conta de um defeito em uma das bombas da Elevatória do Lameirão, que abastece os municípios do Rio e de Nilópolis. Para o conserto, a peça precisou ser retirada, reduzindo em 25% a capacidade de abastecimento. Desde então, a fornecimento de água para os bairros acontece na forma de rodízio. Porém, em algumas localidades as bicas secaram. Além do Complexo do Lins, moradores do Conjunto de Favelas da Maré, também têm enfrentado o problema, como mostrou o portal Maré de Notícias.


A normalização do serviço, segundo a companhia, deve acontecer entre os dias 20 e 25 de dezembro, mais de um mês após o problema ser descoberto, na segunda semana de novembro. Em resposta à pressão pública, a Cedae criou a página “Economize água” em seu site, onde informa diariamente quais as localidades que podem ser afetadas pelo desabastecimento. Estima-se que mais de 1,4 milhões de habitantes estejam sendo afetados apenas na capital, segundo dados do Instituto Pereira Passos.



Em uma iniciativa conjunta, os coletivos Marginal, Maré Vive, Maré 0800, Palafita 174 e Papo Reto lançaram um formulário online para mapear os locais que estão sofrendo com a falta d’água. Em 24 horas, cerca de 400 pessoas preencheram o documento. De acordo com o levantamento, em algumas favelas o abastecimento está irregular há 60 dias. O formulário pode ser acessado aqui.


Um ano difícil para o abastecimento de água no RJ


Na casa de Adriana Mendonça, de 49 anos, o problema com o fornecimento de água começou em outubro e piorou no mês de novembro, quando teve início a manobra na Elevatória do Lameirão. “Ficamos duas semanas sem água na torneira. Agora o fornecimento voltou, mas não está normalizado. Fica nesse vai e vem”, conta Adriana. Ela vive com o marido, dois filhos e a avó, de 98 anos no bairro do Rocha, zona norte do Rio. “Como tenho uma idosa em casa é muito preocupante, porque ela precisa de muitos cuidados e as lavagens de roupa são mais frequentes. Como bons cariocas, nos adaptamos”, explica.


Quando falta água na torneira, é preciso aproveitar a água que cai do céu: “esses dias de chuva, conseguimos encher alguns baldes”, conta Adriana. A água da chuva e da máquina de lavar tem sido reciclada para alguns afazeres domésticos e os banhos precisaram ser reduzidos. “Aqui raramente tínhamos falta de água, mas esse ano foi surreal. Tivemos muitos problemas com o fornecimento de água em plena pandemia”, observa a assistente social.

Acervo Pessoal

Já com a conta de janeiro de 2021 nas mãos, Adriana sente-se indignada com a gestão da companhia. Para ela o cálculo é simples: o sucateamento da empresa tem a ver com o interesse do Estado em vendê-la.


Opinião semelhante é compartilhada por Renata Souza (PSOL), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj): “a água não pode ser considerada pelo Estado uma mercadoria. Não podemos condicionar o acesso à água à capacidade financeira do consumidor. A distribuição de água potável é atribuição do Estado e não deve ser transformada em objeto de lucro por parte da iniciativa privada”, defendeu a deputada durante uma audiência pública sobre direito à água, na última sexta-feira (11).


Esta é a segunda crise enfrentada pela Companhia em menos de um ano, com reflexos no abastecimento na Região Metropolitana do Rio. Em janeiro, a água que chegava à casa dos fluminenses estava com cor, cheiro e gosto estranhos. Na época, a Cedae alegou que a causa do problema seria a grande concentração de geosmina, uma substância produzida quando há muita alga e bactéria na água. Meses depois, no entanto, um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) constatou que o problema foi outro: forte presença de esgoto doméstico e poluição industrial.


Desde o episódio, a família de Adriana evita consumir a água da companhia para beber ou cozinhar. “Compramos água para beber desde que houve aquele problema de contaminação no início do ano. Inclusive entrei com uma ação conjunta na Justiça, pois a água, que eu pago todo mês, estava chegando suja, com odor e era impossível de ser usada para consumo”, lembra. O episódio chamou atenção da população fluminense para a qualidade dos rios, bacias e reservatórios que abastecem o Estado e também para a gestão da empresa responsável pela água e esgoto no Rio.


*Jaqueline Suarez faz parte da Rede de Comunicadores Populares do NPC.

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