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Ouça a voz de um jovem preto e favelado


[Por Nice Lira*] “Não é porque uma pessoa tem a cor diferente, que ela é inferior, ou que vá ferir os outros”. Essas foram as palavras de Yago da Silva Andrade, 13 anos, meu filho, ao ser perguntado sobre o racismo.


O texto de hoje é diferente, não pelo assunto, mas pela vivência. Hoje trago a voz de um pré-adolescente sobre tudo que falei nos textos anteriores, pois eu precisava externar e compreender os sentimentos do meu filho, diante do meu medo.


Yago é um jovem que cresceu dentro de casa, sem muito contato com crianças da idade dele, a não ser, os amigos da escola. Por conta do meu medo, sempre fiz de tudo para protegê-lo, e o que sempre achei ideal era deixá-lo dentro de casa. Sendo assim, ele nunca conheceu pessoalmente a maldade das pessoas.


Perguntei ao meu filho o que ele acha sobre ter sido criado dentro de casa, e ele respondeu:

- Eu acho uma rotina solitária, mas eu não sou uma criança que gosta muito de sair de casa.


Eu o lembrei que ele reclamava e pedia para brincar na rua quando era mais novo, e depois de refletir um pouco, ele disse:

- Eu reclamava porque eu via e ouvia outras crianças brincando, elas estavam sempre tão felizes, correndo de um lado para o outro, como o Flash (super-herói que tem o poder de velocidade) que eu também queria participar.


Vocês podem perceber o quanto ele ainda é inocente, né? Eu me sinto culpada por ele ser assim, pois sinto que a minha super proteção ajudou para que ele não tivesse um olhar mais malicioso (no sentido de sobrevivência).


Yago, aos poucos, está percebendo que mesmo que seja perigoso andar sozinho pela rua, ele não pode ficar trancado dentro de casa para sempre, mas a inocência está presente em todas as falas dele. "Se eu for parado pela polícia já tenho minha identidade (RG), e não deixarei ninguém mexer em minha mochila". Eu gostaria muito que fosse simples assim.


Falamos sobre racismo e sobre as consequências desse racismo, mas perguntei o que ele entendia sobre o racismo, e ele respondeu:

- As pessoas que cometem o racismo acham que são deuses, se metem na vida do outro, parece que eles não têm algo melhor para fazer na vida.


Nosso papo parecia leve, mas era mais sério do que ele imaginava. Nós moramos no Morro do Fallet, em Santa Teresa e como citei nos textos anteriores, criar um filho aqui, não é fácil, pois o medo está presente de todas as formas, inclusive em dias de confronto e Yago também falou sobre isso. "Sinto medo, fico apavorado e as vezes fico tremendo. Tenho medo de vir alguma “bala perdida”, se o tiroteio for muito perto. Tenho medo se algum familiar meu estiver na rua, pois não sei o que pode acontecer com ele.


Aproveitei o momento para mostrar uma cena da série Grey’s Anatomy, na qual um casal negro ensina como o filho, também negro, deve agir em uma abordagem policial. Após assistir, eu quis saber o que Yago achou da cena, já que retratava algo que eu faço questão de lembra-lo todos os dias.


“Eu acho que é muito desnecessário viver assim, a humanidade não foi criada para maltratar os outros. Acho irritante, eu odeio ter que fazer isso, é muito cansativo ficar lembrando de tudo isso, ainda mais quando você é uma criança. Eu me sinto triste, só que essa é a realidade e eu não posso fazer nada, pois sou uma criança”. Foi o que ele disse e eu fiquei com o coração apertado demais. Esse choque de realidade. que ao mesmo tempo tem a ver com sobrevivência, é muito cruel para uma criança.


Diante de tudo que meu filho acompanha sobre abordagem policial, ele observa também que mesmo que um policial seja negro, ele faz uma abordagem abusiva, como um policial branco. Ele como criança descobriu o Racismo Estrutural, sem saber o nome. É claro que eu expliquei melhor.


Não tem como falar de racismo com uma criança ou jovem, sem abordar o genocídio da população negra. Confesso que foi a parte mais difícil da conversa, pois eu vi meu filho emocionado e pude sentir a dor dele.


Perguntei como ele vê as mortes de vários jovens negros por “bala perdida”, e ele disse:

- Olha, eu não quero muito saber disso, porque quando eu vejo isso na TV, eu fico triste, com raiva e triste, porque eu não posso fazer nada (voz embargada).


Yago acredita que se pudesse recriar o mundo, faria de um jeito melhor. “Não que Deus não tenha feito um bom trabalho, mas os ser humano foi por um caminho ruim”.


Eu esperei muito tempo para ter uma conversa profunda com o meu filho, e saber o que ele pensava e sentia, mas foi muito importante para mim. É necessário que a gente converse com nossos filhos e por mais doloroso que seja, é importante saber o que eles pensam e sentem.


Meu filho tem muitos sonhos e acredita que se o Brasil tivesse um presidente negro, o racismo acabaria. Yago gostaria de ter uma casa em uma montanha com vista para uma praia. Yago tem mais noção da vida, do que eu imaginava.


Termino esse texto com uma frase dita pelo Yago, uma frase que reflete o que eu também gostaria, mas que por hora, parece tão distante.


"Eu queria que as pessoas parassem de ser racistas!".


Nice Lira

Graduada em Jornalismo, Radialista, Comunicadora Popular. Mãe solo, preta e favelada. Faz parte da Rede de Comunicadores do NPC.

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