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Autorecuperação: vozes silenciadas

Atualizado: 21 de jul. de 2021

Por Tatiana Lima


Eu sou da linha do "deixa as pessoas". Cada um sabe as dores e as mediações que vem enfrentando e fazendo na pandemia. Mas, por questões de autopreservação, decidi silenciar várias pessoas que viajam, saem e vivem o tempo atual como se não existisse nas suas vidas e para as redes sociais. E ponto. Parece contraditória essa postura. Talvez você esteja certo! Seja mesmo. Mas, é a forma que desenvolvi para me autorecuperar como ensina bell hooks, escritora e intelectual americana, que ensina sobre esse poder ancestral e intuitivo desenvolvido pelas mulheres, especialmente, as mulheres negras.


Eu sei que parte das viagens que meus amigos, familiares e minha rede social tem consumido, foram uma forma de mediar tempos dificeis. Foi e é uma forma de se autorecuperar. Tem aqueles que se isolaram e precisaram de ar, tem os que estão expostos todos os dias no trabalho então... tem gente que decidiu não estar nem aí, ignorar tudo e lidam assim com o tempo atual... esse tempo rachado, esse tempo da Covid-19. Apesar de enxergar esses movimentos e tentar se empatica, eu decidi silenciar esse meus amigos/familiares das minhas redes sociais. Não é nada pessoal. É o meu processo de autorecuperação.


Sabe...existe um número limitado do que uma pessoa pode suportar. Um limite sobre e para empatia. Nada na vida é sem limite. Até o amor precisa de limites, caso contrário, numa negativa deste amor, a gente pode sucumbir. Já vi isso. Já assisti gente morrer de amor não correspondido assim como já presenciei pessoas se autofragelando em nome do amor. Hoje, minha meta comigo mesma é sobreviver. E para isso, acredito ser necessário impor limites, não ficar em cima do muro somente com a política ou cobrando do outro uma posição política. É preciso a gente olhar para si e tomar partido sobre o que sente. Eu não quero mais que linhas de mim se rompam. E para elas não se romperem, precisei tomar decisões. Está é a minha amigo/família: eu preciso de um tempo das porções de vocês nas redes sociais.


Aqui no Brasil, a pandemia tem sido mais difícil sim do que em outros países, porque a gente não tem qualquer direção. Fomos deixados à deriva para enfrentar uma doença de alta letalidade com efeitos e sequelas na saúde do corpo, na nossa mesa e nos bolsos. Não houve campanha pública de orientação alguma desde março de 2020. Não houve lockdown de verdade. Não houve nada. Só morte e estratégias individuais de sobrevivência - e coletivas para aplacar a fome na periferia. Fomos transformados em personagens de Saramago, cegos em meio ao caos, ao mesmo tempo e de forma inesperada, ficamos sem saber como viver e sobreviver.


No meio disso, convivemos com esse cemitério de corpos e medos cada vez mais alto em quantidades e vozes. E como a fama do brasileiro é ser resiliente (porque aqui a historia ensina que sempre pode ficar pior), ainda, estamos tendo que lidar com informações do tipo: que 53 emails de um laboratório produtor de vacina foram ignorados pelo governo, entre notícias de festas, aglomerações, mais mortes e as vozes dos medos e outras coisas mais. Aqui, temos que lidar com a verdade: pessoas estão morrendo de uma doença que já tem vacina. Pessoas estão sofrendo em casa com medo, fome e depressão por uma doença que já tem vacina e podia estar sendo distribuída em larga escala em nosso país.


O Brasil era um alto mercado para a indústria da vacina devido ao alto número de casos. Logo, agindo dentro da regra máxima do capital, os laboratórios insistiram em vender vacina para o Brasil. Não há nada de bondade nesta insistência. Mas, nosso governo tratou a vacina contra a Covid-19 como sardinha em lata com estoque e mercado excedente. Como tendo disponível uma supersafra a qualquer preço, sem risco de escassez ou dificuldade de produção. Nosso governo ignorou a oferta da Pfizer 53 vezes, deude ombros e eu me sinto alvejada por 53 tiros. Executada.


A pandemia vem fazendo a gente lidar com tudo isso: um infinito de emoções, sensações de assassinatos, lutos, afetos e gatilhos tudo junto, misturado e ao mesmo tempo. Uma mistura de líquidos e sólidos triturada no liquidificador. E seja a minha ou as outras gerações nunca vivemos algo assim antes. Não temos mecanismos de defesa. Estamos a flor da pele 24 horas por dia. Até quando dormimos, pois em sonhos, seguimos ardendo. E isso não é normal. Não precisava ser tão duro assim.


Em outros países como na Alemanha, quando tem lockdown, tudo para de verdade, quando tem isolamento, é isolamento e ponto. Você está na sua casa, isolado, dias e dias, mas, ao menos não se sente só. Tem um número expressivo da população junto com você. Há um espírito de comunidade. Aquilo faz sentido. Você não precisa pensar, racionalizar, decidir, sobreviver e lidar com tudo isso absolutamente sozinho. Não só na Alemanha. Em outros países também. Em todo lugar teve os corruptores de quarentena, mas nada como a realidade brasileira. E não sou eu quem diz isso: é todas as equipes médicas, líderes globais, organizações sociais ao povo de outras nações. Dúvida? Dá um google!


É claro, que há os aspectos econômicos, de saúde, enfim, direção dada pelo governos lá nos outros países que exigiram a população de efeitos e sequelas que vivemos aqui, cada país tem experiências e realidades diferentes. Eu dei disso, ok? Mas, o que tento dizer é que aqui a proporção de tudo é desproporcional demais. A gente tem que lidar com uma revolta que contamina a gente e nossas relações. E tudo isso cansa. Eu estou exausta!


Aqui sem saber o que fazer, mas tomando a ciência como parâmetro uma vez que não podemos contar com o governo, cada um se adaptou e decidiu tudo sozinho. Me sinto absolutamente isolada, mas não só da rua e das pessoas. Me sinto isolada da sensação de razoabilidade e da produção de sentido que define as coisas no mundo. Inclusive, me sinto isolada emocionalmente de um par de gente que amo e que me ama.


A morte é uma realidade diária. Em uma ou duas semanas o Brasil vai ter 500 mil mortes, fora a massa de infectados multiplicado pela logaritmo dos infectados invisíveis - que desconhecem o diagnóstico. Não houve um dia desta últimas três semanas que eu não tenha deixado "meus sentimentos" no mural de alguém no facebook, no instagran e no Twitter. Tenho amigos meus doloridos e muito enlutados, sofrendo horrores enquanto outros parecem viver intensamente - talvez até como uma resposta a pandemia. Mas, seja como for, a questão aqui não são eles, um grupo ou outro, mas sou eu. Não quero ser platéia mais dessa partida de futebol, mas também não quero deixar o fio de sociabilidade que as redes sociais me proporcionam. Moro sozinha. Vivo toda a pandemia sozinha. Então, o que fazer quando se percebe estar no limite de empatia, simpatia, compreensão e amor para o lado de fora e para o lado de dentro? Quando se chegou a maturidade de não usar mais o outro como desculpa para seus atos?


Não há resposta certa. Eu tento entender o que se passa aqui dentro de mim. Presto atenção em mim, pois sou a única coisa que posso minimamente entender, controlar e moldar. É por isso que ninguém nas minhas redes sociais foi descartado e tampouco as redes sociais foram excluídas. Porém, o fato é que minha revolta e essa sensação de empatia estão no perto do fim. E por isso, decidi me preservar de alguma forma. Minha forma de fazer isso foi desligar algumas vozes. Silenciar o que eu não consigo lidar. Não é fuga. Mas necessidade de ser gentil comigo quando o mundo não é. Não dá para brigar com o mundo e brigar ainda com o que está aqui dentro e com o que está aí fora. Meu cérebro não consegue lidar com tantas correntezas se chocando assim.


Também decidi que eu não vou brigar com pessoas que tenho profundo carinho porque elas estão viajando e postando fotos nas redes como se nada existisse lá fora, denunciando e destacando com lumi color tudo que eu não consigo viver nesse tempo interrompido da pandemia. Eu não sei o que está passando lá dentro deles, então, não quero julgar. Mas não sou obrigada a estar com sede e me torturar olhando para uma cachoeira, sou? Tampouco vou me isolar mais ainda saindo das redes sociais para falar com a parede em casa ou ficar com essa sensação que só eu tenho medo da Covid-19. É por tudo isso, caro amigo e família, que eu decidi não te odiar ou brigar com vc.


Mas para isso, eu programei seu canal para não aparecer por um tempo como opção no meu feed nas redes sociais. Sei que a vida não é somente o ambiente da internet, não é tecnologia, não é tevê, canal de assinatura para eu desligar ou desconectar sem consequências ou efeito colateral. Essa é a nossa principal diferença entre as máquinas. Uma hora vamos ter que conversar sobre isso, nos perdoar ou soltar de vez nossas mãos. Mas por hora, eu preciso te guardar numa caixa.


As pessoas são adultas, incluindo eu e você, pagam suas contas e cada um sabe a dor e a delícia de ser e fazer o que se quer. Vamos sobreviver! Cada um do seu jeito e com a dívida que produziu.


Talvez, daqui há uma semana eu leia as bordas dessa linhas, desse tempo preso no tempo e considere tudo isso escrito aqui uma bobagem, mas até lá... Não deixei de te seguir, mas para autorecuperação, reconhecendo que a linguagem também é lugar de luta - como aprendi com bell hooks - eu silenciei sua voz nas redes sociais para que eu possa ter escuta efetiva e afetiva por você no futuro. Pois é nesse idioma de vida que fui escolarizada: no lugar em que a linguagem é espaço de luta do oprimido para recuperar a si mesmo, possibilitando a experiência de se reescrever, reconciliar, renovar e, sobretudo, sobreviver.



*RioOnWatch, a Rede de Favela Sustentável e o Painel Unificador Covid-19 nas Favelas são todos programas da Comunidades Catalisadoras." (Marie Alden - RioOnWatch)


https://rioonwatch.org.br/?p=54618

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