Fonte: Ana Cristina da Costa Alves
[Por Nice Lira] Passear pela praia da Barra aos domingos, e aproveitar cafés da manhã recheados de fartura, são lembranças que Ana Cristina da Costa Alves, 45 anos, levará para sempre com ela, pois não poderá mais vivê-las ao lado dos pais. Ambos faleceram, vítimas da COVID-19.
Anita Maria Andrea da Costa Alves (mãe), 73 anos, era muito estudiosa, amava estudar Sociologia, Política e Turismo Histórico. Marcos Antônio Alves (pai), 68 anos, gostava de animais e de ajudar pessoas com necessidades. Ambos, eram aposentados, mas trabalhavam juntos como corretores de imóveis.
Diante de tantas coisas em comum, eles também eram preocupados com os filhos e netos, e sempre que podiam, ajudavam a cuidar dos menores. Em seus corações cabia muito amor, inclusive por viagens. Essa era mais uma das paixões desse casal, que tinha planos de conhecer outros países, e já sonhava com as viagens pós-pandemia.
Essa história de amor começou em um avião, quando Anita, mulher chilena, vinha para o Brasil, após sofrer uma perseguição durante a ditadura de Augusto Pinochet. Ela fazia parte do Movimento Revolucionário Internacionalista (MIR), enquanto Marcos, acompanhava Pedro Alves, o irmão que fazia parte do Movimento Revolucionário Oito de outubro (MR-8), e que estava preso no Chile.
Você deve estar pensando:
- Um casal que lutava junto. Que lindo!
Sim, realmente é uma história linda de amor e luta, mas que infelizmente chegou ao fim durante a pandemia da Covid-19, no Brasil.
Essa história de amor que tinha tudo para render mais alguns capítulos, chegou ao fim, primeiro para o senhor Marcos, que faleceu no dia 9 de dezembro de 2020. Ele já apresentava sintomas há dez dias, mas foi a uma UPA - Unidade de Pronto Atendimento, e disseram que ele estava com Infecção urinária. No dia 27de novembro, Marcos Antônio Alves foi internado, vindo a falecer 12 dias depois.
Dona Anita apresentou os sintomas três dias antes de ser internada, e teve o diagnóstico positivo no dia 3 de dezembro de 2020, quando foi internada. Durante a internação do esposo, Anita enviou um áudio a ele falando sobre a falta que sentia de viajar. Após mais de trinta dias lutando pela vida, ela faleceu no dia 4 de janeiro, sem saber do falecimento de seu amor, e companheiro de vida.
A filha, Ana Cristina não sabe como o pai se contaminou, pois ele só ia ao mercado e andava pelo prédio em que morava. A única coisa que Ana Cristina sabe é que os pais não são apenas números, eles são pessoas queridas e amadas, e que amavam viver.
O tempo passa, a saudade aumenta, e dor e a revolta dos parentes das mais de 490 mil pessoas mortas pela COVID-19 no Brasil, parece não ter fim.
A luta pela igualdade e dignidade humana, o amor pela vida, pela pesquisa e investigação histórica, faz parte da herança deixada pelos pais de Ana, e ela levará para sempre na memória.
Ao final desse texto, deixo uma mensagem da filha, Ana Cristina da Costa Alves, para você que também perdeu quem ama para essa doença, e para o governo, que não cuidou e nem cuida dos nossos.
“Penso que a dor é o que mais nos une. Transformar nossos familiares em números de estatística só potencializa mais essa dor. O governo é o sistema que nos numera como gado, e chama nossos familiares de rebanho, programando matar um milhão de pessoas, para obter, por um princípio corrupto, financeiro e inescrupuloso, a imunidade de rebanho.
Somos sobreviventes de uma necropolítica literal, precisamos defender a memória de nossos entes queridos! São memórias, não números!
Chega de genocídio!
Luto pela nossa humanidade, pelo respeito à nossa dor!”
Nice Lira
Graduada em Jornalismo, Radialista, Comunicadora Popular. Mãe, preta e favelada.