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“Se a gente não pode fazer carnaval agora, a gente vai ajudar com sustentabilidade”

Fala Meu Louro, bloco da Zona Portuária do Rio, se torna referência de ajuda para as comunidades da região enquanto atividades culturais estão suspensas por conta da pandemia.


Por Euro Mascarenhas/NPC

Quadra do Fala Meu Louro – Imagem: Instagram Fala Meu Louro

Com sua quadra localizada entre os morros do Pinto e da Providência, na rua Waldemar Dutra, o bloco Fala Meu Louro tem uma rica memória e uma longa história que começa a ser escrita na década de 1920. O bloco é um dos mais tradicionais do Rio de Janeiro. Ao longo do ano mantém outras atividades como oficina de perna de pau, percussão e rodas de samba.

Com a pandemia do Covid-19, o espaço suspendeu sua agenda cultural, mas continua agindo. Todos os esforços estão concentrados em atender as necessidades dos moradores do Pinto e Providência. “Se a gente não pode fazer carnaval agora, a gente vai ajudar com sustentabilidade, vai tentar transpor essa”, afirma Hioran Santos Barcala, produtor cultural, um dos diretores do bloco e morador do morro do Pinto, também conhecido como Molejinho.

União samba e futebol

O nome da agremiação surgiu do samba de um dos seus patronos, o compositor José Barbosa da Silva, mais conhecido como Sinhô, que escreveu a canção “Fala, meu louro”. A música nasceu de uma polêmica entre o compositor e os músicos Donga e Pixinguinha. Sinhô se ressentiu por não ter recebido crédito no hitórico samba “Pelo Telefone”, o primeiro a ser gravado.

“Ele então começa a andar pelos lados do Centro e conhece o pessoal do Atília, um clube de futebol que já era um pouco engajado no carnaval, e ele passa a liderar as marchinhas”, comenta Hioran. Deste encontro do Sinhô com o Atília Football Club nasce o bloco Fala Meu Louro.


José Barbosa da Silva, o “Sinhô” – Imagem: Domínio Público

Em 1995, o bloco entra em um período de inatividade. “Por desgastes e brigas internas, não rolou mais”, afirma Hioran. Durante esta pausa, a quadra foi utilizada para festas de 15 anos e casamentos, tudo a preços populares para a própria vizinhança. A medida era também uma forma de pagar as contas do espaço.

Durante a gestão do prefeito Eduardo Paes, a quadra do Fala Meu Louro chegou a ser alvo do processo de remoções que atingiu boa parte das favelas da Zona Portuária e central da cidade. Hioran, integrante de uma nova geração que assumiu a direção da agremiação há 8 anos, conta que a articulação para frear o projeto de remoção foi o impulso para a retomada das atividades do bloco.


A Guarda Municipal queria transformar o lugar em depósito de carro velho. “Com isso a gente passou e-mail para a Prefeitura, começou uma mobilização por Twitter, Instagram e pelos jornais, para tentar uma audiência com prefeito Eduardo Paes. A gente conseguiu ser ouvido e se opôs totalmente à remoção da quadra para transformar o espaço num depósito de carro velho”.

O engajamento foi bem recompensado, a Prefeitura do Rio abandonou a ideia de remover a quadra e, no mesmo ano em que os moradores conseguiram manter o local, o bloco do Fala Meu Louro voltou às ruas.

Atília, clube formado por estivadores da região – Imagem: Livro A Gamboa dos Imigrantes

Cultura e solidariedade

Distribuição de kits de higiene, parceria do Fala Meu Louro e

Efeito Urbano – Imagem: Instagram Fala Meu Louro

Por ser um dos blocos mais tradicionais de sua região, a retomada do Louro inspirou outros grupos de carnaval locais a também reiniciarem suas atividades, o que reacendeu antigas rivalidades entre as agremiações, revelando o vigor de um território cuja cultura é pulsante. Aos risos, Hioran comenta, “hoje é o maior barato, porque a relação dos blocos é muito de amor e ódio entre os moradores. Porque não tem só o Fala Meu Louro, existem também o Coração das Meninas e o Eles Que Digam. Então o morro é meio que dividido nisso”.

Até a chegada do novo coronavírus, a programação do Fala Meu Louro estava em pleno vapor com muitas rodas de samba, festas e oficinas. O momento era de consolidação de todo um trabalho de reestruturação que vinha sendo feito, tudo com o aval da velha guarda, “a gente tem uma velha guarda pesada. Se a gente ramelar o plantão, eles chegam em cima”, afirma Hioran.

Infelizmente, a pandemia fez com que as atividades fossem temporariamente canceladas. Os planos eram de ampliar horários de oficinas de música e de perna de pau, além de usar os recursos para a reforma da quadra. Tudo foi adiado com o período de quarentena. No entanto, o espaço do Fala Meu Louro foi redirecionado para ajudar a população do morro do Pinto e da Providência.

A quadra se tornou um ponto para receber doações de cestas básicas e kits de higiene, que logo em seguida são distribuídas para os moradores. Algumas parcerias com outras instituições locais foram fundamentais para poder acudir a população dos dois morros. Entre essas parcerias está a realizada com o grupo Efeito Urbano, que atua no direito à cultura e promove a iniciação artística de crianças, jovens e mulheres da Providência.

Ellen Costa é professora de dança do Efeito Urbano, ela também dá aula nas oficinas do Fala Meu Louro e mora na Providência. “Desde o início da pandemia estamos atuando em parceria com o movimento União Rio na distribuição de cestas básicas e materiais de higiene, atuamos diretamente na quadra do Fala Meu Louro para toda a comunidade”, explica a professora.

Conhecer o local onde mora ajudou Hioran a identificar de modo mais fácil quem mais necessitava de ajuda: “a gente conseguiu fazer um cadastro das pessoas, mapear quem realmente precisa”, conta. A movimentação no morro do Pinto e Providência atraiu outros grupos como Sejamos B.A.S.E e Efeito Sanduíche.

Outra ação importante que o Fala Meu Louro tem feito é espalhar faixas informativas pelos morros, elas mostram formas pelas quais os moradores podem se prevenir do Covid-19.

Efeitos da pandemia nas favelas

Uma das principais reclamações dos moradores do morro do Pinto e Providência é que a falta de assistência social por parte dos governos não é de hoje, mas com a pandemia a situação de abandono ficou exposta de forma mais dramática. Ellen destaca que “o primeiro grande problema é que a maioria dos moradores de favela atua em serviços ditos essenciais como supermercados, serviço de entrega, ou simplesmente não foram liberados pelos seus empregadores. Com isso a circulação do vírus dentro da favela não diminui nada”.

O pai de Hioran faleceu durante o período de pandemia, ele era dono de um bar famoso no morro do Pinto, o Bar do Molejão. Uma das coisas que mais entristecem o filho é não saber qual foi a verdadeira causa da morte do pai. “Para mim é muito difícil falar sobre isso porque não sei se ele morreu de Covid ou não morreu, porque ele não foi testado”, relata.

Campanha de conscientização no morro do Pinto – Imagem: Instagram Fala Meu Louro

Ao citar o caso do pai, Hioran reflete: “Ele era um coroa com pouco estudo, mas muito inteligente, só que muito turrão nas ideias. Dizia que isso não ia pegar nele, que não era verdade... Aí quando ele se tocou que era verdade, ele já estava meio que doente, não sabia em que barco estava”.

Para o produtor cultural, as atitudes do Presidente Jair Bolsonaro têm influenciado de forma negativa a população, principalmente o público idoso, que por ter uma visão hierárquica de mundo se espelha no exemplo de quem está no comando, como no caso do chefe do executivo do país.

Outra reclamação é a ausência de uma campanha de comunicação em massa sobre o novo coronavírus. Uma das poucas peças publicitárias que o Governo Federal fez sobre a doença foi impedida pela Justiça em abril, pois sugeria que as recomendações contra o Covid-19 não fossem respeitadas. “A gente já não tem muito saneamento básico, infraestrutura real, e a gente não tem uma conscientização feita pelo nosso governo”, comenta Hioran. Para ele as favelas são justamente os lugares onde há menos recursos, por isso é necessária uma atuação mais efetiva no campo da informação.

A empatia com o vizinho, a importância de se colocar à disposição dos demais moradores, superando qualquer discordância é fundamental para a superação das dificuldades. “A gente que é morador de favela, de classe social baixa e preto, a gente tem que estar unido, tem que ter empatia com o próximo”, comenta Hioran.

Enquanto isto, os moradores dos morros da Providência e Pinto seguem seu caminho de cooperação mútua. Quando o volume de doações de cestas básicas é maior do que o necessário num lugar, rapidamente é encaminhado para outro. Como no caso dos galões de água que foram doados ao morro do Pinto. Mas por ser um local em que o problema da falta d’água é menor do que na Providência, os galões foram repassados para esta comunidade.

A articulação entre as organizações locais, como o Fala Meu Louro, Efeito Urbano e as demais, ajudam a dar agilidade na construção das ações de apoio aos moradores. “A palavra para mim é empatia, a gente estar junto, tá ligado? Sem olhar muito para os defeitos do outro neste momento”, garante Hioran.


* Euro Mascarenhas faz parte da Rede de Comunicadores do NPC.

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