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Número de famílias sem teto cresce e despejos continuam durante a pandemia

Atualizado: 9 de fev. de 2021



Imóveis sem luz e sem água, com rachaduras e marcas de infiltrações. Alguns são

invadidos pela chuva que encontra os buracos no telhado e as brechas nas janelas e

portas quebradas. Outros tornaram-se abrigos de ratos e baratas em meio ao lixo. As

marcas desse abandono vão aos poucos sendo varridas pelos novos ocupantes.

Remendos nos telhados, cores nas paredes e tapumes são usados para dividir o espaço.

Dia após dia, usando o limite de seus poucos recursos e de sua força, os novos

moradores colocam em condições mínimas o espaço que passam a chamar de casa.

 

“Às vezes, aquele prédio abandonado oferece melhores condições de vida para uma

família do que o barraco em que viviam na favela ou debaixo da ponte. Quando a gente

ocupa um imóvel, a gente faz a limpeza, vê instalação de água e luz, faz melhorias nos

local. Quem vai numa ocupação no primeiro dia e volta lá um mês depois percebe a

transformação que o povo fez naquilo que antes estava abandonado”, explica Marcelo

Edmundo, que atua na coordenação nacional da Central dos Movimentos Populares,

uma das entidades apoiadoras da Campanha Despejo Zero, que tenta frear as ações de

reintegração de posse e despejo durante a pandemia.


Segundo Marcelo, ocupar um imóvel se tornou a única opção de muitas famílias que

passaram a viver nas ruas por conta dos efeitos sociais e econômicos da pandemia.

“Muita gente perdeu sua fonte de renda e com o aumento do custo de vida tiveram que

escolher entre comer e morar”, observa. “Essas pessoas não conseguiram pagar seus

aluguéis e foram parar na rua. A partir do momento em que você está na rua, uma das

alternativas é ocupar imóveis abandonados e foi isso o que aconteceu”, avalia Marcelo.


O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) chegou a formalizar uma recomendação para que

os despejos, remoções e ações de reintegração de posse no campo e na cidade fossem

suspensos durante a pandemia. Além de considerar os efeitos sociais, a recomendação

chamava atenção para o aumento do risco às famílias desabrigadas, que estariam mais

expostas ao vírus e sem acesso às condições para prevenção da doença.


Nos primeiros meses de isolamento, o volume de ações judiciais autorizando despejos

chegou a diminuir, mas, segundo Marcelo Edmundo, as ações voltaram a crescer nos

últimos meses de 2020. Apenas entre março e agosto, estima-se que 6.373 famílias

tenham sido despejadas no Brasil. No mesmo período, mais de 18 mil famílias estavam

sob ameaça de remoção. Os dados são do levantamento feito pelas organizações e

movimentos sociais que integram a Campanha Despejo Zero. Não há dados públicos

que contabilizem despejos, reintegrações de posse e/ou remoções.


A realidade, no entanto, pode ser ainda pior do que mostram os números. No dia 09 de

centro do Rio, foram despejadas. Alguns moradores foram parar no local após serem expulsos de outra ocupação em Laranjeiras, zona sul da cidade, um mês antes.


Após esvaziar o local e fazer cumprir a decisão judicial, policiais, representantes do

judiciário e assistentes sociais foram embora. Sem ter para onde ir, algumas famílias

ficaram na porta do sobrado por cinco dias até ocuparem um novo imóvel na República

do Paraguai, também no Centro. No final de novembro, receberam uma nova ordem de

despejo.


A luta para tentar impedir o terceiro despejo em um ano encontrou resposta apenas no

dia 18 de janeiro deste ano. Por ora, a reintegração de posse no local foi suspensa

devido à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que valida novamente a Lei

Estadual 9.020 que impede ações de remoção e reintegração de posse durante o período

de calamidade pública.


O papel do Judiciário na luta por moradia


A lei 9.020 citada pelo STF entrou em vigor em setembro do ano passado. No entanto,

após recurso da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro (Amaerj), o Tribunal de

Justiça do Rio suspendeu sua validade, por entender que ela contrariava a Constituição

Federal. Depois de muito vai e vem, a decisão foi parar no STF, que revogou a decisão

da instância estadual, fazendo valer novamente a lei.


Marcelo Edmundo ressalta, no entanto, que é preciso acompanhar caso a caso para saber

se, na prática, a decisão do STF está sendo respeitada pelo judiciário do Rio. Ele lembra

também que a lei tem alcance nacional, ou seja, a situação nos outros estados permanece

igual.


O papel desempenhado pelo Judiciário nos processos relacionados à moradia tende a

beneficiar os proprietários do imóvel ou da terra em questão. As famílias vítimas da

ação de despejo e as organizações que atuam na luta pelo direito à moradia pouco

conseguem fazer após a decisão do juiz, como explica Marcelo: “antes de tomar sua

decisão, o juiz tinha que ouvir as partes, ir ao local e saber o que aquele proprietário

estava fazendo do imóvel. Geralmente, isso não acontece e o juiz faz valer sua decisão.

Raramente a gente consegue reverter uma ordem de despejo”.


Os espaços ocupados estão, quase sempre, abandonados há muitos anos. São prédios,

casas e terrenos que estão largados à ação do tempo, sem uso e sem função social.

Prevista no artigo quinto da Constituição Federal, a função social do imóvel se sobrepõe

à propriedade privada. Na prática, isso significa que mais do que os interesses

particulares de um dono, o imóvel deve atender ao bem estar coletivo.




Para Marcelo, o problema da moradia no país não é a falta de casa, mas sim a ausência

de políticas públicas que deem um uso adequado às que já existem. Segundo ele, mais

de seis milhões de imóveis estão vazios no país há décadas.

O problema da moradia no Brasil é antigo e a pandemia da Covid-19 só evidenciou isso:

“é preciso lembrar que o despejo é uma violência. Ninguém ocupa um imóvel de

brincadeira, ocupa porque o Estado não atende esse direito fundamental previsto na

Constituição, que é o direito à moradia. Não pode passar a pandemia e as pessoas serem

jogadas na rua”, defende Marcelo Edmundo.

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