Por Jaqueline Suarez/NPC
As discussões sobre o possível retorno às aulas presenciais nas escolas públicas do Rio de Janeiro vêm causando bastante confusão e preocupação nos últimos meses. Governo do Estado, prefeituras e Justiça não estão conseguindo se entender: assistimos a declarações contraditórias dos poderes municipais e estadual, decisões judiciais se sobrepondo aos decretos da administração pública, além, é claro, dos boatos. Tudo isso traz muitas dúvidas e incertezas para seus familiares dos estudantes e para os próprios alunos.
“Eu acho que as escolas precisam de mais tempo. Ao invés de estar brigando como estão agora para voltar, acho que eles deviam estar se organizando para o ano que vem, para que realmente as crianças não percam mais um ano”, opina Valdenice Lira. Ela é mãe de Yago, de 13 anos, aluno do Ginásio Experimental Olímpico Juan Antonio Samaranch, unidade que pertence à rede municipal de ensino do Rio.
Valdenice mora com o filho e a mãe na comunidade do Fallet, em Santa Teresa, região central da cidade. Ela teme que, com o possível retorno às aulas presenciais, o menino se transforme em uma ponte entre o vírus e os familiares mais idosos com quem ele convive. Além disso, o próprio menino faz parte do grupo de risco, aumentando as preocupações de Valdenice: “meu filho está há seis meses dentro de casa, eu sempre tive medo de ele pegar a Covid por ter asma”.
Desde o início da pandemia, na segunda semana de março, as atividades escolares do menino têm ocorrido de forma remota. A adaptação à nova rotina e o acesso às plataformas e conteúdos digitais têm sido difíceis. “Os professores conversam, eles não passam matéria nova, estão fazendo resumos, passando trabalhos de coisas que eles já viram. Às vezes, tem três aulas em um dia, mas ainda não tem comparação com o dia a dia na escola”, explica ela. Questões estruturais como a qualidade da conexão também afetam a nova rotina escolar: “aqui onde a gente mora nem sempre a internet está boa. Já teve dias que ele não assistiu às aulas porque a rede caia toda hora”, contou Valdenice.
As dificuldades com o ensino remoto têm sido uma realidade comum nas favelas e periferias do Rio. Falta de internet, de luz, de computador ou de um espaço adequado para estudar são queixas comuns entre os estudantes. Lorrayne Muniz, de 17 anos, mora em Jardim Catarina, no município de São Gonçalo, região metropolitana do Estado. Sem computador em casa, o celular é o único meio pelo qual ela acessa o conteúdo enviado pela escola. “A maior dificuldade está sendo o fato de não ter um notebook para estudo e a adaptação. Antes eu tinha um horário regrado para estudar e agora eu não tenho uma rotina, isso atrapalha muito. Eu estou esgotada! Os professores estão trabalhando mais, os alunos estão recebendo as matérias em horários muito loucos e eu não consigo acompanhar”, explica a estudante, que está cursando o último ano do ensino médio.
As dificuldades com o ensino remoto, no entanto, não alteram a opinião de Lorrayne sobre o retorno às aulas presenciais ainda esse ano: “Eu sou contra!” Para a estudante, falta estrutura básica para que as escolas voltem a funcionar. A nova realidade imposta pela pandemia da Covid-19 acentuou ainda mais as carências do ensino público e pode colocar a saúde de alunos e professores em risco.
— “Às vezes, a escola não tem recurso para ter papel higiênico, imagina álcool em gel? Eu tenho medo porque eu acho que esse debate sobre a volta às aulas está sendo muito raso. Como vão manter as crianças na mesma sala o tempo inteiro sem a troca de objetos? Como vão acontecer as refeições? Quem vai vigiar os alunos? Quem vai limpar o tempo inteiro a sala de aula? Quem é aluno de escola pública sabe que não é assim que funciona”, avalia Lorrayne Muniz.
A falta de condições estruturais também é um dos principais motivos apontados por mães do Complexo de Favelas da Maré que são contra o retorno às atividades presenciais, como mostrou uma matéria do jornal O Cidadão. O tamanho das turmas e a idade média avançada dos professores são pontos críticos para a reabertura das escolas públicas em todo o Brasil, segundo relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A entidade avaliou os impactos da pandemia no sistema educacional de 46 países. A maior parte das nações pesquisadas conseguiu retomar as aulas presenciais após 14 semanas. Já no Brasil, até junho, as instituições de ensino contabilizavam 16 semanas de fechamento.
O maior desafio está no retorno das crianças mais novas, matriculadas em creches ou nos primeiros anos do ensino fundamental. Por serem muito novas, elas não têm o entendimento necessário para cumprir o afastamento social e as ações de higiene. Com salas cheias e poucos professores, seria difícil manter a vigilância.
“Não me sinto segura em mandar meu filho pra escola nesse momento”, conta Daiana Pinheiro, mãe de Cesar Miguel, de 2 anos. “Acredito que mesmo com todo o treinamento que as professoras receberão, elas não darão conta de vigiar 25 crianças para não se tocarem, não retirarem as máscaras, manter e supervisionar a total higiene delas. São apenas três professoras em sala de aula”, explica ela.
Daiana mora na comunidade Fogo Cruzado, no Complexo de Favelas da Maré, zona norte do Rio. Ela não parou de trabalhar durante a pandemia e conta com a ajuda da mãe e da sogra para cuidar do menino. Apesar da dificuldade, ela é contra o retorno das atividades presenciais nesse momento. Ela teme pela saúde do filho e também dos pais, que são idosos e convivem com o menino diariamente. Ela própria, que é hipertensa, também faz parte do grupo mais vulnerável a complicações da doença. Para ela, o retorno do menino à creche pode representar um risco de contágio para toda a família.
Situação semelhante é vivida por Karina Felix, mãe de Sophia, de 4 anos, e de Bernardo, de 9. Eles moram na comunidade Pereira da Silva, no bairro de Santa Teresa. A mais nova estuda em uma creche perto de casa e o mais velho em uma escola municipal no bairro vizinho. Para chegar, seria preciso pegar um ônibus que, segundo Karina, costuma ir bastante cheio. O trajeto até a escola é fonte de preocupação para muitas mães e estudantes, por conta da lotação, comum no transporte nos horários de entrada e saída das escolas.
Karina conta que os filhos têm medo de retornar à escola. “O mais velho se preocupa, principalmente com o avô, que é do grupo de risco. Querendo ou não, ele acaba acompanhando os noticiários e vê que muitas pessoas estão morrendo por conta desse vírus”, conta Karina. Até o último dia 16, o número de mortos no Estado do Rio por Covid-19 chegava a 17. 342, sendo a maioria (10.330) na capital. Em todo o país, o número de mortos pela doença ultrapassou os 130 mil esta semana.
Como parte das ações de reabertura gradual do Estado, o retorno às aulas em unidades públicas e privadas foi anunciado. Porém, a decisão esbarra em disputas judiciais que ora autorizam, ora bloqueiam a reabertura das escolas. Em uma nota enviada no dia 15, a Secretaria Estadual de Educação anunciou a reabertura das unidades estaduais, que deve ocorrer no dia 5 de outubro. O plano é reabrir “apenas três vezes por semana, dando prioridade aos alunos que têm dificuldade de acesso à internet, para que possam utilizar os equipamentos multimídia das escolas e realizar as atividades por meio da aprendizagem remota”. Ou seja, nesse caso, a reabertura não significa retorno às aulas presenciais, mas sim acesso aos equipamentos das escolas. A Secretaria, no entanto, não explicou como será estabelecido o rodízio dos estudantes e/ou como serão as ações de higienização dos ambientes e equipamentos utilizados.
Já a Secretaria Municipal de Educação do Rio, informou no último dia 15, que não há uma data prevista para o retorno, mas que o tema está sendo discutido. A Secretaria explicou ainda que, quando “as escolas estiverem autorizadas a reabrir, a Vigilância Sanitária fará inspeções para verificar o cumprimento dos protocolos sanitários”. Três protocolos foram elaborados para adaptação em cada fase de ensino: creches; fundamental e médio; e universidades. Os documentos apontam a necessidade de reduzir o tamanho das turmas, intensificar as ações de limpeza e higiene, além do uso de equipamentos de proteção individual, álcool e sabonete, práticas que demandariam aumento de recursos e profissionais.
[Jaqueline Suares faz parte da Rede de Comunicadores do NPC]
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