Sacerdote foi acusado por outro padre de fazer campanha para candidato a prefeito de Vitória
Movimentos sociais do Estado manifestam apoio ao coordenador do Vicariato para Ação Social, Política e Ecumênica da Arquidiocese de Vitória e pároco da Paróquia Santa Teresa de Calcutá, em Vitória, padre Kelder Brandão. O Fórum Capixaba de Lutas Sociais e a Comissão de Promoção da Dignidade da Pessoa Humana (CPDH) divulgaram, nesta quinta-feira (26), cartas em que prestam solidariedade ao sacerdote, após vídeo gravado pelo Padre Frei Agostinho Morozini, da paróquia Santa Rita de Cássia, na Praia do Canto. Sem citar o nome de Kelder, Agostinho diz que o padre fez "propaganda política em favor de um determinado candidato à prefeitura" e fala sobre o "perigo de haver falsos apóstolos trazendo transtorno no seio das comunidades cristãs entre os fiéis".
Padre Kelder Brandão. Foto: Franciscanos
O vídeo de Agostinho Morozoni foi gravado depois de circular nas redes sociais o trecho de uma homilia do Padre Kelder, quando o coordenador do Vicariato alerta que, no segundo turno, "os leigos e leigas precisam assumir a missão política de ajudar a construir o reino de Deus entre nós por meio da ação política". Na homilia, Kelder destacou que há dois projetos em Vitória. Sem citar nome de candidato, mas em clara referência a João Coser (PT), afirma que um desses projetos "é apresentado por um candidato que é membro dessa paróquia [Santa Teresa de Calcutá], membro dessa comunidade, que nós conhecemos sua origem, que nós conhecemos seus objetivos, que já foi gestor e fez boa gestão no município, que defende pautas que também são defendidas por nós, pela Igreja, por exemplo, os direitos humanos, o combate à pobreza e a valorização das minorias através de políticas públicas".
O outro projeto, afirma Kelder também sem citar o Delegado Lorenzo Pazolini (Republicanos), "é patrocinado por grupos fundamentalistas e por inimigos da Igreja". O sacerdote destaca, ainda, que Vitória não pode ser "governada por grupos milicianos, como acontece no Rio de Janeiro", e sim, "governada pela paz, pela verdade, pela justiça, e não por grupos criminosos".
Na nota, assinada por 55 entidades, o Fórum Capixaba de Lutas Sociais afirma prestar solidariedade ao padre Kelder "neste momento em que sua atuação afirmativa contra o obscurantismo torna-se ainda mais importante para a sociedade capixaba". O grupo salienta que a atuação do sacerdote é de luta em defesa da vida e recorda ações que vão ao encontro disso, como o combate ao extermínio de jovens em São Pedro e em outras regiões de vulnerabilidade social e a articulação com movimentos populares, fóruns e coletivos.
Para o Fórum, "Kelder aprendeu que a luta pela vida exige tomada de posição. Contra quem se irmana à violência, contra quem nega as contribuições da ciência para o bem comum, contra quem se vale da intolerância fundamentalista para eliminar o outro, contra quem afronta os direitos humanos para que apenas alguns tenham garantia de dignidade", sendo "esses, sim, os 'inimigos da igreja' mencionados pelo Padre Kelder, que, como aponta a Encíclica Papal 'não pode e nem deve ficar à margem da construção de um mundo melhor, nem deixar de despertar as forças espirituais que possam fecundar toda a vida social".
No documento consta, ainda, que pelos preceitos católicos, a política partidária não deve fazer parte das práticas sacerdotais, o que está expresso "no percurso de luta, caridade e responsabilidade de Padre Kelder". Destaca também que "os mesmos preceitos estabelecem que aos líderes da igreja e também a todos os fiéis cabe se empenharem pela vida social, contra projetos que, concretamente, ameacem oprimir ainda mais os oprimidos, excluir ainda mais os excluídos e promover a violência como se fosse natural e inevitável". O grupo finaliza a carta reafirmando que se mantém junto ao padre "na luta contra o obscurantismo que viceja quando nos furtamos a assumir nosso lugar ao lado dos mais vulneráveis".
'Reações desproporcionais e injustas'
A Comissão de Promoção da Dignidade da Pessoa Humana (CPDH), por meio de sua carta, classificou como "desproporcionais e injustas as reações" em relação à homilia do padre Kelder. A Comissão destaca que a trajetória do sacerdote é corajosa e coerente, "com ações concretas em favor dos pobres, ao lado dos quais vive, na defesa incondicional da vida e dignidade humana". O grupo afirma que "em face das ameaças às conquistas históricas que o povo de Deus obteve por meio da luta animada pelo fogo do Espírito Santo, o silêncio e a omissão do púlpito podem nos retirar o protagonismo da igreja em orientar e agir de acordo com os preceitos cristãos".
Assim, prossegue, "abre-se espaços para o avanço entre nós do fundamentalismo religioso, que fomenta a intolerância e, aí sim, a manipulação política da religião, em favor de um projeto que ganha corpo mundialmente, de exclusão e extermínio dos pequeninos — as minorias, os marginalizados, os degredados — os preferidos diante dos olhos de Deus". A CPDH também reafirma sua admiração e respeito em relação do arcebispo metropolitano Dom Frei Dario Campos, que "impossibilitado de assistir impassível ao desrespeito flagrante aos pobres e mais necessitados no Espírito Santo, tem nos conduzido na busca pela construção do reino de Deus na terra", estando as ações do arcebispo "em consonância com o Papa Francisco que, na encíclica Tutti Fratelli, nos impele fortemente a participar da política e a buscar a amizade social, em vez da exclusão violenta, da descartabilidade e da indiferença com o outro".
Demonstrações de apoio nas redes sociais
Padre Kelder também tem recebido demonstrações de apoio nas redes sociais. Um dos coordenadores do Centro de Estudos Bíblicos do Espírito Santo (Cebi-ES) e pároco da Paróquia São Pedro, na Vila Rubim, Padre Manoel David, gravou um vídeo no qual presta solidariedade ao colega. "Queria dizer a ele aquilo que nosso grande profeta Dom Helder Câmara dizia: 'não deixem morrer a profecia'". E acrescenta: "a todos paroquianos da Paróquia São Pedro, na Vila Rubim, e a todos a quem chegar este vídeo, a vida em primeiro lugar, não aos projetos de morte que querem apenas o poder pelo poder".
O juiz aposentado e ex-professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), João Baptista Herkenhoff, também gravou um vídeo no qual se solidariza com o padre e afirma que o sacerdote é "coerente com as escolhas que fez de defender os oprimidos em nome do evangelho de Jesus Cristo". Outra manifestação foi a do professor da Universidade Federal do Estado (Ufes), Maurício Abdalla. Em vídeo publicado nas redes sociais, afirma que "era de se esperar que os padres lessem no mínimo as encíclicas papais antes de querer falar sobre Doutrina Social da Igreja, antes de ensinar essa doutrina aos fiéis e principalmente antes de querer ensinar para os colegas de sacerdócio". Ele ressalta que a Doutrina Social é um documento oficial, e não "mera opinião do Papa". Maurício prossegue fazendo referência a Fratelli Tutti, encíclica do Papa Francisco sobre a fraternidade e a amizade social.
O professor afirma que a encíclica traz referências políticas, de forma não genérica, com orientações aos fiéis, incluindo ministros ordenados e não ordenados. Segundo ele, a encíclica diz que a Igreja respeita a autonomia da política, mas não renega sua própria missão para a esfera do privado, assim, não pode nem deve estar a margem da construção de um mundo melhor "nem deixar de despertar as forças espirituais que possam fecundar toda a vida social". Diz ainda que a encíclica afirma ser "verdade que os ministros da religião não devem fazer política partidária, própria dos leigos, mas mesmo eles não podem renunciar a dimensão política da existência que implica uma atenção constante ao bem comum e a preocupação com o desenvolvimento humano integral".
Diante do que diz a encíclica, Maurício aponta que quando se tem projetos distintos entre tantos outros apresentados por diversos partidos, não se deve se posicionar a favor ou contra por razões partidárias. Entretanto, explica, "quando o que está em jogo são projetos defendidos pela doutrina Católica, valores fundamentais da vida humana, da vida social, defendido pelo magistério da Igreja, os padres não só podem, mas devem participar ativamente".
O professor também salienta que a Fratelli Tutti condena, por exemplo, a utilização das redes sociais para propagação de mentiras e do ódio, prática "feita por integrantes do Governo Bolsonaro e que tem como suporte um movimento que nega a ciência, invade hospital, é contra vacina". Ainda de acordo com Maurício, "nós sabemos bem quem eles são e sabemos qual candidatura em Vitória representa essas forças". O professor finaliza dizendo que "falso apóstolo é quem diz representar a doutrina da Igreja sem sequer se dar ao trabalho de entender uma encíclica papal para incorporá-la ao seu discurso e ensinar aos seus fiéis".
A professora da Ufes e epidemiologista, Ethel Maciel, também se posicionou, destacando a importância da atuação de padre Kelder em meio à pandemia da Covid-19. "Neste momento da pandemia, foi uma pessoa muito importante. Sem fazer alarde, sem fazer nenhuma propaganda para isso, padre Kelder esteve em vários espaços, tanto no Governo do Estado quanto no Ministério Público, defendendo os menos favorecidos, aqueles que não têm voz na nossa sociedade", enfatiza.
Em Cariacica, padre nega apoio a Euclério
Não foi somente em Vitória que sacerdotes se viram envolvidos em polêmicas nas eleições municipais. Após ter uma foto sua com o deputado estadual e candidato à prefeitura de Cariacica, Euclério Sampaio (DEM), divulgada nas redes sociais, o padre Edemar Entringer, da paróquia Bom Pastor, na Praia da Costa, em Vila Velha, afirmou em vídeo que a foto é antiga. "Quero deixar claro que a orientação que temos do nosso arcebispo é que podemos ter nossos candidatos, nossas preferências, nossos partidos, mas não podemos apoiar publicamente ninguém, pedir voto para ninguém, fazer campanha para ninguém". Diz também que "essas fotos não representam o meu pensar, a minha vontade, principalmente em Cariacica". O deputado enfrenta Célia Tavares (PT) no segundo turno.
ELAINE DAL GOBBO
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