Por Gabriela Gomes/NPC
“Quantos mais vão morrer?” é a pergunta que a sociedade não se cansa de fazer! Dois dias após a confirmação da morte de João Pedro Mattos Pinto, 14 anos, durante uma operação policial na comunidade do Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, aconteceu o assassinato de mais um jovem provocado pela polícia. Desta vez na Cidade de Deus, favela da zona oeste do Rio de Janeiro.
O grupo de moradores conhecido como Coletivo Frente Cidade de Deus (CDD), após entregar cerca de 200 cestas básicas para as famílias mais necessitadas da localidade de Pantanal, foi surpreendido pela entrada do BOPE e do caveirão na comunidade e acabou no meio do fogo cruzado. Eles foram acolhidos pelos moradores em suas casas para que se protegessem do tiroteio.
O Coletivo Frente CDD reúne um grupo de 50 moradores voluntários da comunidade Cidade de Deus que se juntaram desde o início da pandemia para amparar os mais necessitados. Eles arrecadam produtos de higiene, limpeza e alimentos para as famílias que estão passando por dificuldades devido às consequências sociais da pandemia, promovendo a solidariedade entre os moradores.
Durante mais essa ação da polícia militar, chegou a informação de que um jovem havia sido baleado e levado para o Hospital Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca. A vítima agora foi João Victor Gomes da Rocha, de 18 anos. O educador e conselheiro tutelar, Jota Marques, que também é morador da CDD, expressou sua indignação em seu Twitter:
— “Ele faleceu. Estamos cansados. A gente não tem direito de entregar comida, a gente não tem direito de cuidar dos nossos. A gente não tem direito a nada!» Jota e alguns voluntários, acompanharam toda ação e foram ao hospital para onde informaram que João Victor havia sido levado. Os familiares do jovem já estavam no local quando também receberam a notícia da morte. Segundo o pai de João, o jovem havia saído de casa para comprar uma pipa quando foi atingido.
— “Nós é preto! A gente nasceu alvo do Estado mano!”, desabafou um dos integrantes, chocado com a morte de Victor.
A Frente CDD esclareceu em sua página na internet que ninguém do coletivo foi baleado, graças ao abrigo que os moradores de Pantanal ofereceram em suas próprias casas, evitando assim mais mortes. O coletivo agradeceu o apoio que teve dos moradores, prestou solidariedade às famílias e garante que o trabalho da Frente CDD continua e quem quiser ajudar, pode acessar a página @frentecdd no Instagram para mais informações.
Operações nas favelas não entraram na quarentena
O mundo inteiro está enfrentando uma pandemia e cumprindo isolamento para salvar vidas. Porém, nas favelas, essa quarentena é interrompida pelos tiros quase que diariamente! O Rio de Janeiro registra todos os dias o abuso da polícia em alguma comunidade. Uma rotina que não deu trégua em nenhum momento de crise sanitária mundial.
Na Cidade de Deus, por exemplo, os moradores relatam que, desde o início da quarentena, são constantes os tiroteios nas ruas da comunidade. A revolta e o cansaço com essa política do extermínio promovida pelo Estado podem ser vistos em suas redes sociais:
— “Mais um dia do caveirão na comunidade, meu Deus!”, relata uma moradora em seu status.
Muitas das vezes, os confrontos ocorrem antes das 7h da manhã.
— “Até quando seremos despertados assim?”, questionam os moradores.
Mas a verdade é que não tem hora pra começar os tiros. Uma realidade cruel para esses moradores que não se sentem protegidos nem em suas próprias casas, visto que o isolamento não os protege das balas. Uma resistência gerada por conta dos rastros de mais um dia de medo e tensão: “#ficaemcasa NÃO É SEGURO PRA NÓS, PRETOS E FAVELADOS!”, expressa mais um morador exausto eu seu Instagram.
Segundo uma página da comunidade, no último dia 19 de maio, a justificativa da entrada da Bope foi a ida do prefeito Marcelo Crivella para entregar um tomógrafo na Upa da CDD. A guarda municipal também esteve presente. A Cidade de Deus foi uma das primeiras favelas a relatar casos de Covid-19. De acordo com dados reunidos pelo portal Voz das Comunidades, até quarta-feira (20), foram confirmadas 14 mortes. Sem previsão de término da quarentena, os moradores seguem na luta por mais respeito por parte dos governos para enfrentarem esse difícil momento.
(Gabriela Gomes faz parte da Rede de Comunicadores do NPC)
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