Jornalista da Vila Kennedy teme por vida profissional durante e pós-pandemia
- NPC
- 23 de jun. de 2020
- 3 min de leitura
Por Nice Lira/NPC

Jackeline dos Santos Oliveira, 25 anos, mulher negra, jornalista recém-formada e favelada, diz temer pelo andamento de sua vida profissional. Demitida no início da pandemia por conta de cortes na Agência de Publicidade em que trabalhava, ela se vê na obrigação de estudar durante os dias em casa para se preparar para o mercado de comunicação novamente. — “Poxa! Eu já tinha conseguido um emprego, estava trabalhando na minha área e agora como vai ser?”.
A angústia de Jackeline pode parecer comum para qualquer jovem de sua idade, porém, no caso dela, é bem mais do que isso. É difícil para uma mulher negra e favelada se recolocar no mercado de trabalho, disputar uma vaga de emprego, principalmente durante uma pandemia. “Não estudo tanto o quanto eu queria, pois tem dias que acordo sem vontade de fazer nada. Mas tem a questão de a gente ter que ser obrigada a estudar muito mais que os outros, por ser pobre, preto, favelado e não ter um QI — Quem Indica!”, desabafa ela.
Os jovens nessa situação estão chegando ao limite, mas não podem parar. “Além da pandemia, além de a gente estar em isolamento, tem a questão do desafio pessoal de que é preciso estar produzindo 24h por dia. Eu não posso acordar tarde porque eu tenho que estudar, eu tenho que manter uma rotina, eu preciso estar pronta para o mercado. Tudo isso é muito difícil”, conta Jackeline.

A pandemia não afetou apenas o emprego das pessoas, mas também a confiança, a mobilidade e a capacidade de produção. Facilmente identificamos quem são os que passam por todos esses problemas e quais são seus endereços. No caso da Jackeline esse endereço fica na Vila Kennedy, Bangu, favela da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Quando perguntada sobre o que tem feito durante a quarentena ela respondeu: “Agora estou aproveitando o tempo para ser mais produtiva, pois a pandemia me afetou muito. Dentro de casa me sinto impotente”.
Mesmo com todo o desespero algo de bom veio para amenizar o sofrimento. Ela conseguiu receber o auxílio emergencial de R$ 600,00 e com ele pagou as contas que já estavam atrasadas. O dinheiro também ajudou em outras despesas da casa, o que foi um alívio, pois sua mãe estava arcando com tudo sozinha. Jackeline mora com a mãe e o pai, que também está desempregado. “O auxílio emergencial tem sido um verdadeiro socorro durante essa pandemia, já que eu não conheço nenhuma empresa contratando na minha área. Esse dinheiro tem ajudado a segurar as pontas em casa”, afirma Jackeline.
A pandemia na Vila Kennedy
A ficha dos moradores demorou cair. O isolamento não foi respeitado de início, pois houve erros na contagem dos casos da favela e sem ter os números corretos ficou difícil alertar a população da VK. “Infelizmente a Prefeitura estava contabilizando os mortos pelo COVID-19 em nossa comunidade junto com os mortos em Bangu. Por isso, foi difícil entender os números para se dar conta de que a pandemia já tinha chegado à comunidade”, disse a jornalista. “A partir de ações da Associação de Moradores em parceria com o coletivo Voz das Comunidades, a Prefeitura passou a contabilizar realmente o número de mortos na Vila Kennedy”, completou Jackeline.
A Vila Kennedy é mais um exemplo de que a favela precisa se unir para passar por tudo isso. Parcerias foram fechadas para que fosse possível ajudar quem precisa, ações começaram a surgir e Jackeline também faz parte disso, pois a igreja que ela frequenta faz entrega de quentinhas para quem precisa comer. “Aqui estão acontecendo ações de divulgação dos pequenos comerciantes e arrecadação e entregas de alimentos. Os jovens que possuem uma visibilidade maior na internet promoveram ações para arrecadar alimentos na quadra da comunidade, novamente em parceria com a Associação de Moradores e com o coletivo Voz das Comunidades.
— “Finalmente, a comunidade entendeu que é preciso se unir para que ninguém passe fome”, afirmou a jornalista, acrescentando: “Eu acredito que pra tudo existe um propósito e por isso a pandemia veio: para mostrar que nós, seres humanos, não somos nada! O que nós temos mesmo somos uns aos outros. Se puderem, fiquem em casa. Se protejam, porque o governo não está protegendo a gente”.
Confira o vídeo com o depoimento de Jaqueline:
Nice Lira faz parte da Rede de Comunicadores do NPC.
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