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Iniciativas na Baixada Fluminense juntam afeto e organização

Entrelaços e Sapatinhos Solidários


Por Beatriz Carvalho


A Baixada Fluminense, na região metropolitana do Rio, é formada por 13 municípios, incluindo Duque De Caxias, local onde surgiu, em 2017, o projeto Entrelaços – Costurando Histórias, Memórias e Afetos, composto atualmente pelo quarteto fantástico Cyntia Matos, Tânia Curvelo, Débora Silva e Michelle Sabrina. Quatro mulheres que pensam e trabalham para engajar a comunidade do bairro Parque Paulista em suas lutas cotidianas.


As primeiras ações do Entrelaços começaram no formato de roda de conversa, apenas com Cyntia Matos sentada em uma cadeira de praia ouvindo os problemas das pessoas e buscando uma solução coletiva.


A partir disso, a pedagoga resolveu fazer um produto para não ficar apenas na memória: “Eu resolvi fazer uma colcha de retalhos. Naquele espaço a pessoa coloca todo sentimento dela. Seja em forma de desenho, palavra… E meu pedaço de tecido costura com o de outra mulher. Formamos uma colcha de retalhos na qual as percepções delas e minhas integram-se em um sistema. Mesmo hoje, com tanta tecnologia, a escuta e o diálogo ainda são a melhor maneira de você curar uma pessoa”, ressalta.


Tudo começou assim: “Eu recebi a notícia de que um sobrinho meu estava com uma doença muito grave, que uma das nossas mulheres que mora no (favela do) Lixão, em Caxias, levou um tiro na barriga e afetou seu bebê e que uma mãe e filha na favela da Mangueira, no Rio, também sofreram com a violência urbana. Aí eu decidi extravasar e vim para uma praça pública para ouvir histórias. Assim eu descobri que estava falando e essas pessoas me ouviam”, conta Cyntia.


Amor e respeito pelos idosos são duas das diretrizes do Entrelaços, e por isso Cyntia e Michelle tiveram a ideia de entregar cartas com mensagens de esperança para população da ‘melhor idade’.


Nascem os Sapatinhos Solidários


Animadas com os resultados as moças decidiram ir além. No inverno de 2020, criaram os Sapatinhos Solidários, para aquecer os pés e os corações de quem necessita, e, ao mesmo tempo, gerar renda entre as mulheres que fazem os sapatos.


Ativa e com mãos ágeis, Lúcia da Silva, 61, do lar, começou a participar das oficinas de crochê por indicação de uma amiga. Ela conta que o projeto social mudou sua percepção sobre trabalho voluntário nas favelas: "A gente começa a aprender que precisamos ajudar ao próximo. Quando doamos os sapatinhos, nos sentimos, como se estivéssemos participando de uma grande família unida. Foi uma experiência nova para mim e estou aprendendo muito todos os dias. Temos muitas coisas para fazer ainda", disse a moradora de Caxias.


Toda a mágica acontece sempre às quinta-feira, na sede da Casa Cuidado, no Parque Paulista, local onde funcionam vários projetos para crianças, adolescentes e adultos. Medidas de limpeza e distanciamento social são parte do protocolo de segurança adotado pela equipe para evitar contágio do coronavírus, pois os encontros acontecem de forma presencial em espaço aberto.


O projeto Sapatinhos Solidários atendeu umas 120 pessoas, sendo 50 idosos que receberam visitas com uma homenagem e um kit de higiene no período de isolamento. Nos últimos meses, a iniciativa produziu um evento no qual 26 idosos cadastrados receberam sapatinhos de lã.


Como funcionam os Sapatinhos



Cerca de 50 pessoas de idades variadas participam das aulas de crochê e tricô. Atualmente são 25 alunos. Michelle Sabrina, 43, agente comunitária, explica: “Eu fui criada fazendo projetos sociais, vendo o exemplo da minha avó. Quando criança, eu ajudava minha avó e agora minha filha também auxilia. Sempre tive um sonho de trabalhar com idosos. Durante a minha jornada como voluntária eu infelizmente fui muito usada… nunca desisti. Quando a Cynthia me falou que havia kits de higiene para doação, eu abracei na hora. Nesse dia das entregas, Cyntia teve a ideia da minha filha recitar um poema para os velhinhos, então eu pedi para um poeta do bairro fazer. Ocorreu tudo bem, num dia de muita alegria. Sempre fiz visitas para esses senhores quem foram contemplados pelo projeto. Não tenho palavras para expressar o que sinto. Eu só tenho a agradecer ao Sapatinhos Solidários”, descreve.


Os sapatos de crochê, o tricô, a colcha de retalhos e as cartas escritas pelas crianças são artesanatos. Enriquecem a criatividade para quem produz. As artistas manuais ainda esperam por mais políticas públicas eficazes.


Através do artesanato sustentável, uma das colaboradoras do projeto social, Lúcia da Silva incentiva o crescimento de outras artesãs mantendo a chama acesa: "Não importa de onde a pessoa veio, o Sapatinhos Solidários sempre estará de portas abertas para receber a todos. Queremos levar o projeto para outros bairros da Baixada Fluminense. Estamos no caminho. Só tenho a agradecer", finaliza.


Colhendo os frutos e precisando de você para continuar


Segundo o Instituto Brasileiro De Geografia e Estatística (IBGE), a expectativa de vida do brasileiro é de 72,7 anos. Não cuidar dessa camada que cresce constantemente é caminhar para uma desigualdade social ainda maior. Desmistificar buscando uma qualidade de vida mais saudável para os mais velhos, o movimento Lab60+ promove a questão intergeracional, transdisciplinar e intersetorial de forma igualitária.


Em outubro, o Entrelaços - Costurando Histórias recebeu o convite para compor a programação do 2º Festival Lab60+ Digital - Edição Primavera 2020. Cynthia Matos e sua trupe apresentaram a iniciativa do Sapatinhos Solidários para a roda de conversa. “Senti que as pessoas que têm mais de 60 anos são potentes. Tivemos a possibilidade de apresentar o projeto para um público que está antenado também no mundo digital.”, conta Cyntia.


Soluções inovadoras que contribuam para antigas e novas gerações é a missão do Entrelaços - Costurando Histórias Memórias e Afetos. Mulheres fortes caxienses identificaram um dilema e concretizaram o Sapatinhos Solidários, no qual perpassa a partilha e a união. São elas que movem bairro, município e país, precisamos pensar efetivamente no futuro pós pandemia. Costurando o feminino tecendo novas teias de apoio pode ser uma nova perspectiva nessa época tão endurecida.


Para doar ou fazer parte do projeto social:


*Beatriz Carvalho é jornalista e faz parte da Rede de Comunicadores do NPC.

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