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Falta coragem para criar um filho preto na favela



Hoje eu gostaria de falar de outra coisa que não fosse o medo, embora ele esteja presente de todas as formas e em todos os momentos da vida de uma mãe.


Ser mãe tem se tornado cada dia mais difícil, principalmente para as mães de filhos pretos e favelados. Seguimos com todos os cuidados e ensinamentos, mas esse medo vai muito além.


Quando soube do assassinato do João Pedro, 14 anos, ano passado, em São Gonçalo, eu resolvi fazer um vídeo. Nesse vídeo, eu expressei toda a minha dor e angústia diante do ocorrido. Todo esse sentimento foi compartilhado por todas as mães de filhos pretos. Não conheço a mãe do João, mas me solidarizei com a dor dela, pois o João me lembrou o Yago.


Ao postar o vídeo que fiz no Facebook, descobri um medo do qual até então, eu não tinha conhecimento. Uma amiga comentou que não queria ser mãe, para que o filho preto não tivesse que sofrer com o racismo. Confesso que na hora fiquei pensativa, mas vi coerência em tudo que ela falou. Muitos julgam quem não quer ser mãe, mas neste caso, só quem tem motivos para temer é que vai compreender.


Para deixar claro que este não é um caso isolado, cito um debate sobre racismo no programa “Em Pauta”, da Globonews, exibido no dia 3 de junho de 2020, em que foram convidados jornalistas negros.

Uma das jornalistas que participaram foi a Maria Júlia Coutinho, e ela abriu o coração sobre o tema. Durante uma de suas falas, Maju disse,: — “ Tem experiência mais dura do que refletir: vou botar uma criança negra neste mundo que é racista, e que hoje tende ao fascismo?”.


Acredito que, assim como eu, muitas mães se identificaram com o que foi dito pela jornalista, mesmo que tenha sido duro demais. Maju deixou claro que já teve essa conversa com outras amigas, e que elas pensam da mesma forma sobre o assunto.


Esse medo não é algo que acontece por acaso. Nós vivemos em um país onde só cresce o número de assassinatos de pessoas negras. Segundo dados do Atlas da Violência, em 2018, 77,7% das vítimas de homicídios eram negras. Entre 2008 e 2018, o número de homicídios de pessoas negras aumentou 11,5%. Já em 2020, os dados mostraram uma crescente, principalmente durante a pandemia em estados como São Paulo.


Segundo a ONG Rio de Paz, no ano de 2020, 12 crianças foram mortas por arma de fogo no estado do Rio. Em 2021 já temos 4 crianças que perderam a vida para arma de fogo. Essa é uma estatística que só cresce, principalmente nas favelas e raros são os casos solucionados.


Pensando de forma clara, é justo colocar um filho no mundo, sabendo de todos os riscos, e tendo que criá-lo cheio de cuidados? As pessoas precisam parar para refletir com a gente, pois não é normal ter medo de ser mãe por causa da cor do “futuro filho’, mas também não é normal pôr um filho no mundo e perdê-lo para a violência por conta do racismo estrutural que rege esse país.


Nossas crianças e adolescentes pretos e favelados não podem mais continuar como um corpo matável para o Estado, e para toda a sociedade. Essa é uma indignação que precisa partir de todos, e não apenas de quem sofre.


Nice Lira

Graduada em Jornalismo, Radialista, Comunicadora Popular. Mãe, preta e favelada

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