Por Tatiana Lima
“A questão aqui é que não pode espalhar! Tem famílias com até 12 filhos”. Essa é a constatação da ativista e comunicadora popular Mariluce Mariá de Souza, moradora da favela de Nova Brasília, no Complexo do Alemão, sobre a pandemia do Covi-19 nas favelas. Ela coordena o projeto Favela Art, que atende 300 crianças nas favelas do Capão Redondo, Inferno Verde, Palmeiras e Matinha, todas do conjunto do Complexo do Alemão.
O projeto social artístico oferece oficinas de criação e formação através da pintura e recreação para crianças em situação de vulnerabilidade social na comunidade e tempo ocioso. Também atua junto às escolas de educação infantil e ensino fundamental no entorno do Complexo do Alemão.
No total, são 35 famílias atendidas pelo projeto, com uma média de 8,5 crianças por moradia, sendo que 90% das famílias já viviam em vulnerabilidade social já antes da pandemia.
Aí vem a pandemia
O que fazer em meio a pandemia mundial do novo coronavírus na qual a primeira medida de prevenção é o isolamento social?
A primeira ideia da artista plástica e comunicadora popular é encontrar uma forma de não paralisar as atividades totalmente.
Porém, antes de qualquer decisão sobre que fazer, a fome bateu na porta. “Teve mãe que me procurou pedindo fubá pra fazer angu pra não passar fome”, conta.
Com o decreto de isolamento social das autoridades públicas e o fechamento das escolas, os pedidos de ajuda de mães das famílias atendidas pelo projeto começaram a chegar. “As mães pegavam já cestas básicas em igrejas e ONGs. Mas, diversos locais que recebiam doações pararam de receber. Por isso, várias começaram a nos pedir doações”, explica.
Mariluce Mariá e o companheiro Cléber Araújo resolveram ajudar as famílias. O problema é que a demanda de pedidos de cestas básicas, remédios e até gás de cozinha, foi maior do que esperavam. “Nossa ideia era atender a emergência das famílias do projeto, mas 177 moradores nos pediram ajuda”, ressalta.
O casal então decidiu investir R$6 mil reais – que vieram do fundo de doações do projeto, venda de quadros da artista, do pagamento da família, somados a um empréstimo do chefe de Cléber. Mesmo assim, só conseguiram atender cerca de 100 famílias.
Valeria Rocha é uma dessas moradoras. É mãe de dez crianças e está desempregada. O marido está trabalhando, mas somente há uma semana. “Eu preciso de tudo. Não tem nada”, contou em entrevista à Mariluce no dia 1º de abril.
Favela Art faz campanha pra doação de gêneros de alimentação infantil
A distribuição foi feita de casa em casa para evitar a aglomeração, com o casal tomando todos os cuidados de proteção. Ela explica que o marido e ela não possuem mais recursos para auxiliar. Ela abriu então um vakinha online “Favela Art combatendo o Covid-19” para dar suporte às “pessoas que ficaram sem renda conseguirem comprar medicação de tratamentos que no momento estão em falta e comprar alimentação e uso infantil”.
São itens como leite, aveia, amido para fazer mingau “para os bebês que não mamam leite materno e qualquer outra necessidade”. As doações podem ser feitas por PAYPAL (favelaart@gmail.com), cartão de crédito, boleto ou transferência bancária na conta do Banco Bradesco, agência 2043, conta corrente 041246-5, em nome de Mariluce Mariá de Souza, CPF: CPF: 116.758.407-41.
São itens que não estão disponíveis na cesta básica que serão fornecidas aos estudantes da rede municipal pela Prefeitura do Rio. Segundo Decreto Rio n. 47,239, de 27 de março, as cestas básicas que serão disponibilizadas pela prefeitura serão de valor máximo de R$100, composta dos itens:
E as atividades do Projeto?
Mariluce Mariá, decidiu interromper a agenda de atividades do Favela Art nas escolas. “Conversei com a diretora e parei as oficinas. Estávamos pintando os muros na escola Vera Saback junto com as crianças. Tínhamos um cronograma do 1º ao 6º ano, mas suspendi tudo um dia antes do anúncio da pandemia na OMS”, ressalta.
De acordo com ela, não foi uma decisão fácil. “O objetivo do nosso trabalho é levar esperança através da arte. A gente não pode e não tem como parar, mas a possibilidade de contaminação do coronavírus me preocupava muito”, conta.
Ela tomou a decisão de distribuir todo o acervo do projeto de recreação e oficinas para as crianças atendidas pelo projeto para elas terem recreação durante o período de quarentena: “Levei tudo na casa de cada um. Eles agora têm brinquedos individuais e coletivos para brincar sozinhos e com a família em casa. São jogos, livros de histórias, para pintar, pinceis lápis de cor, além de brinquedos. Os que têm celular, eu ainda faço brincadeiras com ele pelo Whatsapp e Tik Tok”.
Os brinquedos e livros disponibilizados para as crianças do Favela Art foram doados por apoiadores do projeto ao longo do ano passado, mas principalmente no Dia das Crianças. Mariluce também conta como explicou para as crianças sobre a pandemia do Coronavírus: “Expliquei que quanto mais eles se exporem e forem para as ruas, mas tempo vai levar para a gente se reunir fisicamente de novo e poder se abraçar, porque vamos ficar doentes. Também expliquei que eles não são os culpados pelo vírus, porque várias crianças estão com medo de passar para o pai, mãe, avó. É que esse vírus tem um imã que atrai mais os idosos e mais velhos”.
É possível fazer isolamento social na favela?
Para a artivista essa condição é muito difícil para grande parte da favela e, para outras, chega a ser impossível. “A gente já teve grandes isolamentos aqui por conta da guerra com a pacificação, com os tiroteios, mas a gente podia se juntar e ficar todo mundo no mesmo canto para se proteger em casa. Com o vírus não dá!”, pondera.
Segundo ela, uma parcela da população que vive no Complexo do Alemão vive ainda em barracos, às vezes, de um único cômodo ou dois, com mais de dez crianças, além dos adultos da família. São barracos de madeira, sem banheiro e até caixa de água. “Não é 90% da população que mora num barraco de madeira, mas tem uma parte que mora sim em casas precárias. O armazenamento de água é feito no latão!”.
Mariluce também denuncia que, após o primeiro pronunciamento do Presidente da República, Jari Bolsonaro, os moradores estavam respeitando mais a medida de quarentena para prevenção do Covid-19: “Grande parte das pessoas estão sim receosas. Aqui me Nova Brasília, um dos maiores áreas comerciais estava quase tudo fechado. Só mercado e hortifruti aberto, a rua estava bem vazia. Aí, veio o pronunciamento, lojas de produtos não essenciais, de estética, roupas começaram a abrir”.
Antes do pronunciamento
Depois do pronunciamento
Filha de uma pastora evangélica, de acordo com Mariluce, as igrejas dentro da comunidade estão fechadas. “Não sei se todas, mas a maioria sim. Inclusive, minha mãe sente falta do culto, mas já expliquei que ela tem que ficar em casa”, diz. Para ela, o retorno à vida normal de muitos moradores, desrespeitando a quarentena, deve-se porque pela necessidade de trabalhar, mas também pela ideia de que o coronavírus é só uma “gripezinha” como alardeada por Jair Bolsonaro.
É um falso dilema alardeado pelo presidente à população brasileira. A posição do governo federal é de que se a economia parar para prevenção da saúde para a pandemia de coronavírus, a fome vai matar muito mais.
No dia 1º de abril, o primeiro caso confirmado com teste de um morador do Complexo do Alemão com Covid-19, foi confirmado pela Secretária Municipal de Saúde.
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