Por Jaqueline Suarez/NPC
O aviso de reabertura da loja surgiu na tela do WhatsApp por volta das 22h. Depois de quase três meses de portas fechadas, o shopping em que Lucas Silva* trabalha reabriu no dia 11 de junho, feriado religioso e véspera do dia dos namorados. O local, que antes da pandemia sempre tinha um movimento pequeno, encheu. As cenas de corredores e lojas lotadas se repetiram em vários outros shoppings.
No Barra Shopping, na zona oeste do Rio, as aglomerações também aconteceram nos espaços reservados aos funcionários ou de uso comum, como nos banheiros. “As lojas adotaram medidas de segurança, inclusive a proibição de utilizar os provadores, mas os clientes, como alternativa, estão experimentando as roupas no banheiro, aumentando muito o fluxo de pessoas. Então, a gente vê que, na prática, as regras não funcionam muito”, explica Marcela Souza*.
Lucas, de 25 anos, e Marcela, de 24, são noivos e moram juntos em Ilha de Guaratiba, também na zona oeste da capital. Ele trabalha em uma loja de roupas no Shopping Metropolitano e ela é funcionária de um estabelecimento de materiais odontológicos, dentro do Barra Shopping. Desde o início da pandemia, o casal teve uma grande redução em sua renda. Parte do salário base foi cortado, perderam boa parte dos benefícios. Além disso, Lucas perdeu a comissão sobre as vendas que fazia. Nesse período em que as contas apertavam, o medo de perder o emprego era ainda maior.
Para tentar garantir o trabalho, Lucas nunca chegou a ficar realmente afastado do serviço. “Eu estava de quarentena antes de retornar à loja, mas mesmo nesse período eu tinha que comparecer à sede da empresa para dobrar roupas, separar, essas coisas para a empresa fazer entregas pela internet”. Mesmo com problema respiratório, sendo parte do grupo de risco da Covid-19, ele se sentia pressionado a furar a quarentena para não colocar em risco o emprego. “A gente ficou muito preocupado, tanto que eu tive que ir até a sede, embora não fosse obrigatório. Fui porque eles meio que fizeram uma ameaça velada: ‘ah não vai não? Você não é obrigado, mas já que você não vai...’ Era mais ou menos isso, a famosa chantagem” conta Lucas.
Logo que retornou ao trabalho presencial na loja, o movimento foi bastante intenso. Porém, passados os primeiros dias, o shopping voltou a ficar completamente vazio. Com lojas abertas e sem público, os funcionários deixaram a quarentena e retornaram à rotina de trabalho, mas seguem com carga horária e salários reduzidos.
Um cenário bem diferente é vivido por Marcela no Barra Shopping, com lojas lotadas e filas por todos os lados. “O movimento está grande, pessoas passeando, comprando roupa e coisas que você vê que não são tão urgentes”, explica. “Algumas lojas, principalmente as de departamento, estão fazendo promoções grandes e atraindo muita gente. Eu realmente esperava que ficasse mais vazio, mas acho que as pessoas não estão muito conscientes”, conta.
A visível aglomeração dos consumidores, esconde a falta de condições de segurança para o retorno dos próprios funcionários ao serviço: “não voltamos ao normal! Até para almoçarmos no shopping está mais difícil; ninguém pode comer na praça de alimentação e o nosso refeitório é pequeno e também não é muito limpo. Fica uma fila na porta para aferir a temperatura, então, nós temos que chegar um pouco antes do horário para conseguirmos almoçar”.
Se por um lado o refeitório não tem capacidade de comportar todos em segurança, por outro, as lojas não têm estrutura para que o funcionário armazene, esquente e faça sua refeição. Na falta de um local adequado, os trabalhadores “estão dando um jeitinho”, como explica Marcela, fazendo suas refeições no interior das lojas.
Mesmo sem condições para um retorno seguro, o medo do desemprego impede reivindicações mais firmes, como explica Marcela: “nas lojas do shopping você é mais um número e, se não está tendo venda, muita gente ali não é necessária”. Quando retornou ao trabalho presencial, no dia 18 de junho, ela pode perceber a quantidade de lojas que fecharam as portas em definitivo. Muitos colegas perderam o emprego ou adoeceram com a Covid-19. “Embora a reabertura fosse algo necessário pra muitos estabelecimentos, eu acho que da forma como foi põe todos nós em risco”, opina Marcela. “Eu tenho bastante medo, trabalhando no shopping o contato com o público é muito grande”, conclui a jovem.
*Os nomes dos entrevistados foram alterados para protegê-los.
**Jaqueline Suarez faz parte da Rede de Comunicadores do NPC.
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