Nunca é tarde: a trajetória de mulheres 50+ nos pré-vestibulares populares
- Núcleo Piratininga de Comunicação
- 14 de nov.
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Nas ladeiras da favela do Chapéu Mangueira e da Babilônia, pulsam uma sala de aula em que sonhos antigos se misturam à energia de quem insiste em acreditar que nunca é tarde para aprender.

[Por Emanuela Amaral - Rede de Comunicadores Populares do NPC] O pré-vestibular popular organizado pelo Movimento Popularize tornou-se um refúgio e um espaço de esperança para estudantes que carregam décadas de vida, trabalho e responsabilidades nas costas, mas que decidiram desafiar as estatísticas. São mulheres que interromperam os estudos para trabalhar e criar seus filhos, mas voltaram às salas de aula para reivindicar um direito negado: o de aprender, de sonhar e de se reinventar.

Esse é caso de Cosma Gonçalves de Abreu, 59 anos. Moradora da Penha, ela é uma dessas vozes. Terminou o ensino médio tardiamente e, depois de criar seus filhos, enfrentou jornadas duplas entre o trabalho e as aulas noturnas em uma Escola Estadual.
Hoje, já com os filhos criados, reencontrou no pré-vestibular um propósito, mesmo depois de cursar um ano sem conseguir a aprovação, ela voltou para estudar mais um ano. “Eu não desisto fácil, vou continuar insistindo. Também gosto de ir no curso. Aprendo muita coisa lá, e também é um espaço que socializo”, conta.
Cosma deseja cursar Pedagogia, profissão que já se esboça em sua trajetória como professora da Escola Bíblica Dominical em sua igreja. “É muito bom ir (no pré-vestibular) porque a gente aprende sempre coisas novas, e estudar no pré me dá um sentido de vida também.”
Quando pensa na sonhada aprovação, Cosma lembra dos pais. Ela, que é filha caçula , sempre foi considerada a filha estudiosa. Para ela entrar em uma universidade e se formar será uma vitória para toda a família, inclusive seus falecidos pais: “Queria que eles estivessem aqui para ver a menina estudiosa da família passar no vestibular”.

Na mesma turma, Nilcea dos Santos de Jesus, 66 anos, moradora do Morro da Babilônia, também carrega a marca de uma vida dedicada ao trabalho e à família. Depois de criar os filhos e trabalhar como cuidadora, formou-se pelo EJA e decidiu enfrentar o vestibular. Como tem um histórico de trabalhar como cuidadora, Nilcea quer seguir trabalhando na área do cuidado e da saúde, seu sonho é cursar Fisioterapia. Mas a caminhada é cheia de tropeços: “Química e física são muito difíceis, eu não tinha essas matérias na escola. Mas os professores do pré são muito parceiros, me ajudam a não desistir”.
Tanto Cosma quanto Nilcea já viveram a frustração de não passar no vestibular no primeiro ano. Mas, em vez de desistirem, refizeram as malas e retornaram às salas do pré-vestibular, num gesto de teimosia e coragem. A insistência, mais do que uma escolha, é um ato de resistência diante de um sistema educacional que historicamente excluiu jovens e adultos em situações de vulnerabilidade. É nesse retorno que elas se fortalecem, e é nele que encontram não apenas a chance de entrar na universidade, mas também um lugar de encontro, troca e afirmação.
Entre os dados e as histórias, é nas carteiras de madeira, no giz e no esforço cotidiano de Cosma e Nilcea que se revela a dimensão maior da educação popular: a possibilidade de recomeçar, de sonhar e de escrever um novo capítulo de vida.
* Publicado originalmente no Jornal Vozes das Comunidades 2025.




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